Nova era da tecnologia quântica: entenda o que há por trás do Nobel da Física 2022
Alain Aspect, John F. Clauser e Anton Zeilinger são os ganhadores do Prêmio Nobel 2022 em Física, anunciado pela Academia Real das Ciências da Suécia no último dia 04/10. Segundo o comitê do Nobel, suas descobertas "lançaram as bases para uma nova era da tecnologia quântica". A convite do Núcleo de Comunicação Social do Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas (CBPF), os pesquisadores Ivan Oliveira e Fernando Melo comentaram sobre a premiação, os laureados e os fenômenos relacionados.
Bolas de bilhar e Teleporte
Desde meados dos anos 1930 já se sabia que a mecânica quântica previa um tipo de correlação estatística em sistemas quânticos (como fótons, átomos, elétrons, etc) não existente nos sistemas clássicos (como bolas de bilhar, dados, moedas, etc). A este fenômeno estranho deu-se o nome Emaranhamento (o termo original em alemão, dado por Erwin Schroedinger (1887-1961) foi Verschränkung. O próprio Schroedinger traduziu para o inglês como Entanglement). Curiosidade: em Português, já foram usados pelos físicos “enovelamento” e “entrelaçamento”, até convergir para “emaranhamento”.
Emaranhamento é um fenômeno físico em que objetos que se encontram separados por distâncias arbitrariamente grandes se comportam como se fossem um único objeto. Hoje, não há dúvidas sobre a existência do emaranhamento. O fenômeno já foi demonstrado milhares de vezes por físicos ao redor do mundo, inclusive no Brasil. Mais do que isso, o emaranhamento é o ingrediente fundamental que garante a segurança em redes quânticas de comunicação (internet quântica), que permite teleportar estados quânticos, e que acelera a capacidade de processamento dos computadores quânticos, capazes de realizar em segundos, cálculos que levariam milhares de anos em computadores comuns.
Começando pelo básico
Mas para chegarmos a este ponto foi preciso o trabalho pioneiro e engenhoso dos ganhadores do Prêmio Nobel de Física de 2022. Em particular, o trabalho de Alain Aspect no início dos anos 1980. Ele realizou os primeiros experimentos convincentes demonstrando as propriedades “estranhas” do emaranhamento e, com isso, deu partida a uma nova era de desenvolvimento na física, em particular à ótica quântica. Anton Zeilinger realizou experimentos notáveis com fótons emaranhados, em particular o primeiro experimento de teleporte no início dos anos 1990. John Clauser desenvolveu ferramentas teóricas que permitiram caracterizar as propriedades de sistemas emaranhados.
O mais interessante nessa premiação é perceber como experimentos que testam os princípios mais básicos da física estão na origem das tão "badaladas" tecnologias quânticas de hoje em dia. Outro aspecto importante a se lembrar é John Clauser e Alain Aspect foram desencorajados a realizarem esses experimentos, sob o pretexto que pesquisa em fundamentos de mecânica quântica não teria relevância suficiente para ser considerada por seus pares – o que dificultaria até encontrar um emprego, caso precisasse.
É uma premiação que mostra como o financiamento de física básica, nesse caso o teste dos fundamentos da mecânica quântica, pode levar, anos depois, ao desenvolvimento de tecnologias que prometem mudar a nossa sociedade.
Mais uma curiosidade: O prêmio Breakthrough Prize Fundamental Physics também foi dado para a área de Informação Quântica. Nesse prêmio os ganhadores foram David Deutsch – que concebeu a ideia dos computadores quânticos, – Peter Shor – que desenvolveu importantes algoritmos para computadores quânticos, entre eles o que permite quebrar a maior parte da criptografia clássica atual – e Charles Bennett & Gilles Brassard – que inventaram um método que possibilita a criptografia com segurança baseada nas leis da física quântica. Quebrar essa criptografia, a não ser por uma falha de implementação, seria o equivalente a quebrar as leis da física.
Breakthrough Prize é uma premiação dada anualmente por excelência no trabalho científico. Criada em 2012 por Sergey Brin, Priscilla Chan e Mark Zuckerberg, Yuri Milner e Julia Milner, e Anne Wojcicki, possui três categorias de premiação que agraciam os laureados com US$ 3 milhões.
As ideias desenvolvidas pelos ganhadores do Nobel estão presentes também no Brasil. No Rio de Janeiro, o Grupo de Informação Quântica do CBPF se juntou a pesquisadores da Universidade Federal Fluminense (UFF), da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio) e do Instituto Militar de Engenharia (IME), para aplicar o desenvolvimento de anos de física básica em um projeto de construção de uma rede quântica de comunicação.
O objetivo desta rede é a distribuição segura de chaves criptográficas entre estas instituições pelo envio de fótons, tanto por meio de fibras ópticas, quanto pela atmosfera. O projeto tem o apoio das Fundações de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro e São Paulo (Faperj e Fapesp), do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia de Informação Quântica (INCT-IQ) e do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações (MCTI) e deve estar em operação até o final de 2023.
Mais informações:
Nobel Prize in Physics 2022: https://www.nobelprize.org/prizes/physics/2022/summary/
Breakthrough Prize Fundamental Physics: https://breakthroughprize.org/Laureates/1
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