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Emérito da UFMG trata em ensaio da obsessão de Borges com o tempo

Publicado: Quarta, 04 de Setembro de 2019, 10h58 | Última atualização em Quarta, 04 de Setembro de 2019, 11h37 | Acessos: 845

A convite do Núcleo de Comunicação Social, Alaor Chaves, professor emérito da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e colunista do portal do Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas (CBPF), escreve ensaio sobre a relação do escritor argentino Jorge Luis Borges (1899-1986) com um dos conceitos mais intrigantes da física: o tempo.

 

Borges e o tempo

 

“Somos o tempo. Somos a famosa

parábola de Heráclito, o Obscuro.

Somos a água, não o diamante duro.”

Jorge Luis Borges

 

O tempo foi uma das obsessões de Jorge Luis Borges. A esse tema dedicou poemas, contos, ensaios e uma palestra. Como ele mesmo informa em um dos ensaios, refere-se ao tempo em todos os seus livros. Sua imagem recorrente do tempo é a parábola de Heráclito: o tempo é um rio que flui continuamente, sem cessação nem retorno. Assim inicia o seu poema ‘São os rios’ (Os Conjurados, 1985), cujos primeiros versos compõem a epígrafe deste ensaio; breve ensaio que não pretende exaurir as incursões do grande escritor no tema.

Heráclito frequenta amiúde as páginas de Borges, invariavelmente em referência ao tempo. Especialmente ilustrativa dessa convivência entre o tempo, o filósofo e Borges é o poema ‘Heráclito’ (Elogio da Sombra, 1969), parcialmente reproduzido a seguir:

 

“[...]

Que rio é este

pelo qual flui o Ganges?

Que rio é este cuja fonte é inconcebível?

Que rio é este que arrasta mitologias e espadas?

É inútil que durma.

Corre no sonho, no deserto, no porão.

O rio me arrebata e sou esse rio.

De matéria perecível fui feito, de misterioso tempo.

Talvez o manancial esteja em mim.

Talvez de minha sombra,

fatais e ilusórios, surjam os dias.”

 

Há outro poema de Borges com o título ‘Heráclito’ (Os conjurados, 1976), que antecede imediatamente o poema ‘A clepsidra’, no qual o pessimista autor festeja a extinção do tempo com os belíssimos versos:

 

“Não de água, de mel será a última

gota da clepsidra. E a veremos

resplandecer e mergulhar nas trevas.”

 

Como o leitor talvez anteveja, outras ideias são objeto das considerações de Borges sobre o tempo: a eternidade, a imortalidade, o aventado caráter cíclico do rio de Heráclito ‒ e algumas sobre as quais me calo.

A eternidade, nos dizem os teólogos, é um atributo divino; nela, passado e futuro se superpõem numa entidade zero-dimensional e também infinita. Mas os minérios, as estrelas e os homens fragmentam esse ponto transcendental e o fazem escorrer nos rios de Heráclito, no qual são arrastados. Pois os rios são muitos, talvez incontáveis, como insiste Borges – menos por convicção, mais por imperativo literário.

Explico melhor. Os ensaios e a referida palestra de Borges revisam a vasta e diversa metafísica do tempo, da qual o autor demonstra um conhecimento enciclopédico. Mas a metafísica é a reflexão sobre o possível; nela, qualquer proposição que não contrarie a lógica ou os fatos empíricos, nem se anule em inconsistências, é válida. Assim, quase todas as metafísicas são irrefutáveis, embora incapazes de convencer as pessoas.

No caso das metafísicas urdidas por Borges, não convencem nem ele mesmo, como demonstra a sentença com a qual inicia o primeiro dos dois ensaios intitulados ‘Nova refutação do tempo’ (Novas inquisições, 1952): “No decorrer de uma vida consagrada às letras e (vez por outra) à perplexidade metafísica, pude divisar ou pressentir uma refutação do tempo, da qual eu mesmo descreio, mas costuma visitar-me à noite e no exausto crepúsculo, com ilusória força de axioma.” Em um texto de Borges que não consegui localizar, ele afirma que o idealismo de Berkeley é irrefutável, mas não convence ninguém.

Não obstante seu ceticismo metafísico, em parte com o enfoque de um historiador, Borges fala repetidamente, geralmente com brevidade, de inúmeros filósofos que heroicamente tentaram decifrar o tempo, principalmente Platão, Plotino (205-270), Santo Agostinho (354-430), George Berkeley (1685-1753) e outros idealistas que o sucederam. Insiste em citar Platão, segundo quem a essência do mundo são os arquétipos, que pertencem à mesma eternidade mais tarde recriada pelos teólogos. Em nenhum momento dá declarado crédito à ideia dos arquétipos.

Quanto a Plotino, diz asperamente que a única maneira de aproveitar seu método é invertê-lo. Já a Agostinho, dedica certo carinho, especialmente à urgência do santo em entender o tempo. Valoriza a sinceridade de Agostinho em reconhecer não ter entendido o tempo, embora para tal tanto se esforçasse: “Se não me perguntam o que é o tempo, o entendo; se perguntam, não sei responder.”

Aponta ainda a notabilíssima afirmação do santo: “Não no tempo, mas com o tempo, foi criado o mundo.” É necessário explicitar melhor o significado dessa frase sucinta para que se entenda como ela antecipa em quase dois milênios a visão da física contemporânea sobre a origem do tempo: o universo, e as coisas que ele contém, são sujeitos à sucessão, que na visão da física é o atributo essencial do tempo. Assim, o tempo não pode ser uma realidade anterior ao surgimento do universo. Há um instante zero, e este é o do Big Bang.

Também antiga é a proposição de que o tempo seja multimensional. Essa ideia foi revista e examinada exaustivamente pelo recente John William Dunne (1875-1949), o que levou Borges a escrever o ensaio ‘O tempo e J. W. Dunne’ (Outras inquisições, 1952). Além de não se convencer das ideias de Dunne, Borges as acha incongruentes, como se percebe no comentário: “Nenhum dos quatro livros de Dunne deixa de propor infinitas dimensões do tempo, mas essas dimensões são espaciais.”

Umas das ideias persistentes sobre o tempo é a de que ele, sendo infinito, é também cíclico, ou seja, após episódios de enorme, mas finita duração, a história do mundo se repete, precisamente, com todas as paixões, carruagens e os detalhados crepúsculos. Talvez o primeiro ocidental a considerá-la tenha sito Pitágoras, mas a ideia atraiu também outras mentes no vasto e antigo oriente. Borges dedicou ao tema um longo e especialmente brilhante ensaio, ‘Doutrina dos ciclos’ (História da eternidade, 1936). Fragmentos do ensaio merecem repetição literal:

“Essa doutrina (que seu mais recente inventor chama do Eterno Retorno) é formulável assim: O número de todos os átomos que compõem o mundo é, embora formidável, finito e só capaz, como tal, de um número finito (embora também desmedido) de permutações. Num tempo infinito, o número de permutações possíveis deve ser alcançado, e o universo tem de se repetir. [...]. [Georg] Cantor destrói o fundamento da tese de Nietzsche. Afirma a perfeita infinidade do número de pontos do universo, e até de um metro do universo, ou de uma fração desse metro. [...] O atrito do belo jogo de Cantor com o belo jogo de Zaratustra é mortal para este último. Se o universo consta de um número infinito de termos, é rigorosamente capaz de um número infinito de combinações – e a necessidade de um retorno fica vencida. Resta sua mera possibilidade, computável em zero.”

Após essa refutação matemática da doutrina dos ciclos – na versão mais elaborada de Nietzsche –, Borges demonstra a impossibilidade física de qualquer universo cíclico, que envolve uma bela e precisa formulação verbal da segunda lei da termodinâmica:

“A primeira lei da termodinâmica diz que a energia do universo é constante; já a segunda, que essa energia tende à incomunicação, à desordem, ainda que a quantidade total não decresça. Essa gradual desintegração das forças que compõem o universo é a entropia. Uma vez igualadas as diversas temperaturas, uma vez excluída (ou compensada) toda ação de um corpo sobre outro, o mundo será um fortuito encontro de átomos. No centro profundo das estrelas, esse difícil e mortal equilíbrio foi alcançado. À custa de intercâmbios, o universo inteiro o alcançará, e estará tépido e morno. A luz vai se perdendo em calor; o universo, minuto por minuto, faz-se invisível. Faz-se mais leve, também. Um dia, não será senão calor: calor equilibrado, imóvel, igual. Então terá morrido.”

Embora a mortalidade do corpo humano tenha vencido a esperança de todos, pela sua inegável realidade factual, no conto fantástico ‘O imortal’ (O aleph, 1949) Borges fala de homens imortais. Uma breve sinopse do conto é necessária, pois há nele pensamentos e fantasias relevantes do autor sobre o tempo. O romano Marco Flamínio Rufo, tribuno de uma legião do Imperador Diocleciano, ouviu em Tebas que “se alguém caminhasse até o ocidente, onde o mundo se acaba, encontraria um rio cujas águas dão a imortalidade” – nota-se a menção implícita a Heráclito – e que na sua outra margem veria a Cidade dos Imortais. 

Acompanhado por 200 soldados, além de mercenários, enfrentou os intermináveis desertos em busca da cidade e do seu rio. Na impiedade do sol, da areia, da fome e da sede, Marco Flamínio perde seus soldados e mercenários para a deserção, para a loucura e para a morte. Sozinho e acometido de delírios, segue adiante e numa aurora avista a cidade. É capturado pelos trogloditas, “que devoram serpentes e carecem do comércio da palavra”. 

Um dia se liberta, ou o libertam, e o romano entra na cidade, cuja antiguidade é anterior à do homem. Um membro solitário da tribo o acompanha, como um cão acompanha um homem. O romano o denomina Argos, o “cão moribundo da Odisseia”, e por anos se esforça para lhe ensinar a “reconhecer e talvez repetir alguma palavra”.

Um dia, após rara e poderosa chuva que emociona o troglodita, tem surpreendente sucesso. Grita seguidamente “Argos, Argos, Argos”, e este responde “Argos, cão de Ulisses. Este cão atirado no esterco”. Marco Flamínio pergunta-lhe o que sabe da Odisseia e Argos diz lembrar-se pouco, pois a tinha inventado coisa de mil e cem anos atrás: o troglodita era Homero, e este prossegue falando a Marco Flamínio como se fala a uma criança.

Marco Flamínio, protagonista e autor do conto, o entremeia de considerações diversas, duas das quais merecem menção. Em um tempo infinito, a um homem acontecem todas as coisas possíveis de acontecer, o que de algum modo torna redundantes os outros homens. Suspeito que isso explique o singular no título ‘O imortal’ do conto, e ainda o isolamento de Homero do resto da sua tribo.

É literal a menção a outra reflexão de Marco Flamínio: “Ser imortal é insignificante; com exceção do homem, todas as coisas o são, pois ignoram a morte; o divino, o terrível, o incompreensível é saber-se imortal.” Essa ideia ecoa muito depois no poema ‘O bisão’ (A rosa profunda, 1975):

 

“[...]

Penso depois que ignora o humano tempo,

cujo espelho espectral é a memória.

O tempo não o toca nem a história

de seu decurso errante, sem intento.

Intemporal, inumerável, zero,

é o último bisão e o primeiro.”

 

A índole fantástica dos contos de Borges lhe dá oportunidade para a reformulação de ideias que sua metafísica questiona ou refuta. A proposição de um tempo multidimensional é o motivo central do conto ‘O Jardim das veredas que se bifurcam’ (Ficções, 1944). Esse imaginado tempo combina dimensionalidade infinita com outro atributo não menos aterrador: suas trajetórias se bifurcam indefinidamente de forma labiríntica.

Em 1954, Hugh Everett III (1930-1982), na época estudante de pós-graduação na Universidade de Princeton, teve uma nova ideia sobre a controversa interpretação da mecânica quântica e decidiu desenvolvê-la como tese de doutorado. Sua teoria, formulada em rigorosa matemática, tem afinidade – surpreendente e admirável – com o que Borges antecipara em palavras. A princípio energicamente rejeitada, mas não refutada com rigor por membros da influente, quase hegemônica, Escola de Copenhague, a teoria foi reconsiderada por físicos mais jovens e hoje compete entre as melhores interpretações da mecânica quântica.

Em 23 de junho de 1978, Borges profere a palestra ‘O tempo’ (Borges oral, 1979), na qual resume muitas das ideias historiadas e discutidas em seus ensaios. Em dado ponto, diz: “A ideia é de que cada um de nós vive uma série de fatos, e esta série de fatos pode ou não ser paralela a outras. Por que aceitar essa ideia? É uma ideia possível; ela nos daria um mundo mais vasto, um mundo muito mais estranho que o atual. A ideia de que não há um tempo.” E prossegue com (talvez) simulada indiferença: “Creio que essa ideia foi, de certo modo, absorvida pela física atual, que não compreendo nem conheço. A ideia de vários tempos.”

 

Alaor Chaves

Professor emérito

UFMG

 

Mais informações:

Borges, o criador de universos paralelos: https://bit.ly/2ltThTB

 

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