CBPF e Vale estudam física do minério de ferro
Um grupo de pesquisadores do Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas (CBPF), no Rio de Janeiro (RJ), está ajudando uma das maiores empresas do mundo a entender melhor o processo que transforma uma das grandes riquezas naturais do Brasil em importante item do cardápio de exportações do país.
O Grupo de Fenômenos Superfície e Interfaces (GFIS), do CBPF, e o Instituto Tecnológico Vale (ITV) estabeleceram convênio para entender o que ocorre na superfície das partículas no processo de obtenção da hematita (óxido de ferro) a partir do minério bruto.
O ITV é ligado à empresa Vale S. A., maior produtora mundial de minério de ferro e de pelotas de ferro – estas últimas, matéria-prima essencial para a fabricação de aço.
Amido e amina
O tema da pesquisa feita no CBPF em convênio com o ITV tem a ver com a chamada física de superfícies. Mais especificamente, qual a natureza da interação de ‘açúcares’ (amido) e compostos nitrogenados (aminas) com a superfície de óxidos de ferro.
Um dos objetivos do projeto é entender, em profundidade, se as ligações químicas envolvidas são de natureza eletrostática ou covalente – nesta última, ocorre compartilhamento de elétrons. Dependendo da força de interação em questão, é possível desenvolver não só o processo de separação (pela técnica de flotação), mas também moléculas mais eficientes na separação seletiva do óxido de ferro (hematita).
Logo após a extração do itabirito – na forma de rochas relativamente volumosas –, esse minério de ferro passa por vários processos de moagem, até que se obtenha um particulado fino, cujos componentes têm diâmetros na casa dos 75 mícrons (ou seja, 0,075 mm). A razão principal para concentrar, na forma de particulados, óxidos de ferro é separar este último do quartzo (figura 1).
Dependendo do local de extração, esse material particulado é formado por cerca de 20% a 55% de ferro total (proveniente de diferentes óxidos), 35% de silício (quartzo), e o restante é constituído por outros óxidos, como de alumínio, manganês, titânio etc. A ideia é obter uma matéria-prima (minério de ferro) concentrada, com baixo teor de rejeitos (quartzo).
Figura 1. Itabirito, no qual estão misturados hematita e quartzo
(Crédito: Rob Lavinsky, iRocks.com/Wikimedia Commons)
A extração de ferro emprega: i) amido (de farelo de milho), que age como depressor, ao ‘aderir’ (adsorver) preferencialmente ao mineral de ferro, o que torna a superfície deste último hidrofílica, atraindo, assim, moléculas de água; ii) uma amina (acetado de eteramina), que age como coletor, ao adsorver na superfície do quartzo, fazendo com que esta afaste moléculas de água (hidrofóbica).
O fenômeno físico-químico da adsorção depende, além da temperatura e pressão, da área e da carga da superfície do sólido que está adsorvendo as moléculas de um líquido.
Primeiramente, o particulado é misturado com água; depois, com o depressor (amido) e, seguida, com o coletor (amina). Jatos de ar (ou dióxido de carbono) ‘borbulham’ a mistura. Nesse processo – que ocorre em pH específico (em torno de 10,5) e básico –, o amido é adsorvido na superfície da hematita, e o conjunto ‘atrai’ água (hidrofílico). Já a amina, que tem uma cadeia hidrofóbica longa, adsorve na superfície do quartzo.
Afunda e flutua
Na cuba onde ocorre o processo, a porção amina-quartzo vai para cima (flutuado) – sendo, posteriormente, recolhido e eliminado da mistura –, enquanto o amido-ferro permanece no fundo (afundado). Esse processo é chamado flotação reversa, pois se está interessado no material que permanece embaixo – na flotação ‘direta’, o interesse recai na parte da mistura que ‘flutua’.
A flotação reversa é afetada por vários fatores. Por exemplo, o tamanho das bolhas de ar; o diâmetro médio do particulado; a força de adsorção do amido e da amina etc. “Nossa proposta é estudar a física por trás desse processo. Mais especificamente, queremos entender como ocorre a adsorção das moléculas orgânicas nos minerais”, explica o pesquisador adjunto Fernando Loureiro Stavale Júnior, líder do GFIS e coordenador no CBPF do convênio com o ITV.
Nesta fase inicial, os participantes pretendem começar investigando, por exemplo, o processo de adsorção em vários cenários (por exemplo, naqueles com diferentes pH); a chamada adsorção competitiva entre o amido e a amina; a influência da orientação cristalográfica das diferentes hematitas presente na natureza. Tudo isso sempre do ponto de vista da física de superfícies.
Na descrição do projeto, lê-se o seguinte: “Entre os problemas enfrentados pelas usinas [...], merecem destaque as elevadas perdas de partículas finas de hematita [...] nos rejeitos, assim como a contaminação do concentrado por partículas grossas [maiores que 74 mícrons] de quartzo”. A aderência da hematita a partículas grossas de quartzo interfere negativamente no rendimento do processo de flotação, comprometendo a extração do ferro.
A engenheira química Gabriela Fernandes Moreira, pesquisadora do ITV Mineração e coordenadora do ITV no convênio, aponta outro problema. “Na flotação reversa para a extração de hematita, particulados com diâmetro menor do que 30 mícrons são um desafio”.
Além de Stavale e Gabriela, também participam do projeto ‘Estudo das diferentes forças de interação presentes na flotação reversa do quartzo por técnicas de superfície’ Marisa Bezerra de Mello Monte, tecnologista plena do Centro de Tecnologia Mineral (Cetem), Igor Guida e Bianca Almeida, bolsistas do projeto.
Equipamentos de ponta
Para entender o processo de flotação reversa do ponto de vista dos fenômenos que ocorrem na superfície dos particulados, o GFIS tem a seu dispor aparelhagem moderna e sofisticada. Por exemplo, um microscópio de força atômica (AFM, na sigla em inglês); um espectrômetro de infravermelho por transformada de Fourier (FTIR); e um espectrômetro de fotoelétrons excitados por raios X (XPS) – esses equipamentos pertencem aos chamados laboratórios multiusuários do CBPF, abertos a projetos de pesquisa de fora da instituição.
Cada uma dessas técnicas deve colaborar com parte de uma visão geral sobre como se dá a adsorção das moléculas orgânicas nos óxidos de ferro e quartzo. Por exemplo, o FTIR poderá revelar quais os ‘locais’ (grupos funcionais) dessas moléculas são mais propensos à adsorção. O XPS poderá contribuir com dados para inferir a estrutura eletrônica e química dessas substâncias. O AFM poderá revelar dados sobre a aglomeração desses constituintes.
O foco do convênio é pesquisa básica. Mas espera-se que essa investigação gere conhecimento que possa ser posto em prática pela engenharia da empresa. “Quem sabe, até mesmo a possibilidade de desenvolvimento de novos reagentes, mais eficientes que os empregados, aumentando, assim, a produtividade da empresa”, disse Stavale.
O convênio com a Vale se estenderá até meados do ano que vem. A empresa investiu cerca de R$ 490 mil nessa colaboração. As linhas de pesquisa do ITV Mineração, com sede em Ouro Preto (MG), são voltadas para “exploração e prospecção, recursos hídricos, legislação, comércio exterior, logística, metalurgia, meio ambiente, beneficiamento, lavra, automação”. Há também o ITV Desenvolvimento Sustentável, em Belém (PA).
A infraestrutura dos laboratórios nos quais o GFIS atua recebeu verbas do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico, da Financiadora de Estudos e Projetos e da Fundação Carlos Chagas Filho de Apoio à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro, bem como do governo da Alemanha, por meio da Sociedade Max-Planck e da Fundação Alexander von Humboldt.
Ferro em pelotas
O minério de ferro brasileiro é conhecido por seu alto teor de hematita. Por exemplo, as rochas encontradas nas cinco minas a céu aberto do complexo de Carajás, que pertence à Vale, são formadas, em média, por 67% de minério de ferro. É o teor mais alto do planeta, e essa matéria-prima, a de melhor qualidade do mundo. Em outros países produtores, esse percentual é bem inferior. Por exemplo, o minério de ferro da China, maior importador mundial dessa commodity, tem em torno de 40%.
A Vale produziu, ano passado, cerca de 300 milhões de toneladas (Mt) de minério de ferro. Já a produção de pelotas de ferro (figura 2), para o mesmo período, ficou em torno de 40 Mt.
Figura 2. Pelotas de minério de ferro, material essencial para a produção de aço
(Crédito: Vale.com)
Com essa escala de produção – centenas de Mt/ano –, um diminuto aumento na quantidade de ferro extraída do minério representaria incremento significativo na produção e nos lucros da empresa, favorecendo, assim, a balança comercial brasileira, “Qualquer ganho de 1% na produção pode representar um alto lucro”, diz Stavale.
O preço da tonelada métrica seca de minério de ferro está, neste momento, em torno de US$ 100 (cerca de R$ 560). No início de 2011, com a alta das commodities, esse valor chegou quase a US$ 200.
Figura 3. Detalhe do Terminal de Ponta de Madeira, no estado do Maranhão
(Crédito: Vale.com)
A Vale inaugurou recentemente o maior projeto de sua história e da indústria da mineração mundial, o Complexo S11D Eliezer Batista, obra de R$ 14,3 bilhões, com infraestrutura nos estados do Pará e Maranhão (figura 3).
Mineração e astrofísica
Considerado o mais profundo e limpo laboratório do mundo, o Snolab (sigla, em inglês, para Laboratório do Observatório Sudbury de Neutrinos), nas profundezas da mina Creighton, em Sudbury, Ontário (Canadá), é a maior instalação científica subterrânea do mundo e fica em área anexa à mina de Creighton, da Vale do Canadá, onde a empresa mantém operações de níquel.
Construído a 2.070 m abaixo da superfície, o Snolab foi o responsável pelo experimento que, em 2001, mostrou que os neutrinos – tidos como a partícula mais fugidia da natureza – têm massa. Esse resultado, além de somar conhecimento à antiquíssima questão ‘de que são feitas as coisas’, contribuiu para o entendimento da constituição do universo e seus processos cósmicos.
Mais informações:
GFIS: https://sites.google.com/view/sipg/home
BPF: portal.cbpf.br
Vale: www.vale.com
ITV: www.itv.org/
Redes Sociais