Artigo do CBPF acha difusão em ‘zeta’
A difusão permeia nosso cotidiano. Um aroma que toma conta do ambiente; o calor que ‘sobe’ pela lateral de uma panela no fogo; gotas de leite se espalhando sobre a superfície do café na xícara; as queimadas que, neste momento, propagam-se pelo Pantanal etc. Agora, trabalho que tem como primeiro autor um doutorando do Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas (CBPF), no Rio de Janeiro (RJ), revelou algo intrigante: a relação desse fenômeno com os números primos.
São chamados primos os números divididos apenas por um e por eles mesmos (2, 3, 5, 7, 11 etc.). E, a princípio, a relação deles com a difusão soa descabida. Mas ela se revelou matematicamente na pesquisa do físico teórico paraguaio Alexis David Saldivar, doutorando orientado por Nami Fux Svaiter, pesquisador titular e atualmente chefe da Coordenação de Física Teórica do CBPF. O terceiro autor do artigo – publicado em no Journal of Physics A: Mathematical and Theoretical – é Carlos Zarro, do Instituto de Física da Universidade Federal do Rio de Janeiro.
Equação de difusão
Para entender essa inusitada relação é preciso voltar ao século 19, quando dois desenvolvimentos matemáticos ganharam notoriedade: i) a equação de difusão; e ii) a função zeta de Riemann – esta última restrita ao campo da matemática e cujo nome faz referência ao alemão Bernhard Riemann (1826-1866).
A equação de difusão (ou, por vezes, equação de calor) foi idealizada pelo físico e matemático francês Joseph Fourier (1768-1830), em 1822. Ela serve para explicar a propagação do calor em um fio, numa placa ou num ambiente, ou seja, nas três dimensões, bastando, para isso, que sofra as devidas modificações.
Mas ela vai além: pode ser aplicada, por exemplo, à disseminação de opiniões ou notícias falsas em redes sociais; à evolução genética de uma população; ao crescimento de bactérias em culturas e fungos em alimentos etc. Estes – e os casos citados na abertura deste texto – são processos difusivos.
A ideia da difusão é simples: é basicamente o deslocamento de uma substância (perfume, fogo etc.) ou de uma característica do sistema (temperatura, opinião etc.). Esse espalhamento ocorre de uma região de alta concentração para uma de baixa.
Função zeta
Entra em cena o segundo protagonista da associação difusão-primos: a função zeta de Riemann. Um modo simples de entendê-la é o seguinte: ela estabelece correspondência entre uma característica dessa função – os chamados zeros, ou seja, números que fazem com que a função assuma o valor zero – e a distribuição dos números primos ao longo do conjunto (infinito) de números naturais (0, 1, 2, 3, 4, 5...)
Uma propriedade bem peculiar da função zeta é que ela tem uma simetria em torno do valor x = 1/2. Na prática, isso faz com que seu valor para, por exemplo, x = 1/4 seja o mesmo que aquele para x = 3/4, pois esses números são equidistantes de 1/2.
A função zeta é uma soma. E, sendo assim, ela pode ser também representada por uma integral, ferramenta matemática que, no fundo, é apenas mais um modo de representar somas.
Além da simetria em torno de x = 1/2, a zeta tem outra propriedade: ela é divergente. Isso quer dizer que a soma dela não pode ser representada por um número finito. Em outras palavras, essa soma ‘caminha’ rumo ao infinito.
Cortes e relação
Aqui, a relação difusão-primos dá os primeiros passos. Os autores partiram da representação integral da função zeta e aplicaram nela dois ‘freios’. Esses artifícios são denominados tecnicamente ‘cortes’. E estes nada mais são do que novas funções (do tipo exponencial) que, agora, passam a multiplicar a função zeta.
O papel dos ‘freios’ (ou funções de corte) é simplesmente driblar a divergência da zeta. Ou seja, fazer com que a zeta fique ‘bem comportada’ e pare de rumar ao infinito. Em tempo: mesmo após ser ‘domada’ pela aplicação dos dois freios, a zeta mantém sua simetria em torno de x = 1/2.
A leitura matemática dessa função zeta duplamente ‘cortada’ mostra que ela tem características semelhantes à equação da difusão, com uma diferença marcante: nela, está presente um processo difusivo simultâneo, em uma, duas e três dimensões – podemos pensar pictoricamente no calor se difundindo em um fio muito fino, em uma placa metálica e em um ambiente.
Ou seja, a zeta modificada revela processos difusivos lineares, bidimensionais e volumétricos, interligados entre si.
Questões intrigantes
A primeira pergunta que se impôs a Saldivar, Svaiter e Zarro soa simples: o que estaria se difundindo na zeta modificada? A segunda é menos trivial: por que uma equação que descreve a distribuição de números primos, ao sofrer cortes, passa a descrever processo semelhante à difusão?
“A física está presente de forma indireta no trabalho, o qual é, basicamente, um resultado matemático. Sua continuação natural seria ver como isso pode ser aplicado em uma situação física”, disse Saldivar. “A grande questão é saber o que está se difundindo na função zeta modificada”, resume Svaiter.
Não há, por enquanto, respostas para aquelas duas questões.
Mais informações:
Journal of Physics A: https://iopscience.iop.org/article/10.1088/1751-8121/ab8d51
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